Você é livre para comer?
Neste mundo que estimula o consumo e faz apologia da alimentação e da conquista de comer em abundância, estamos adoecendo, não só porque nos expomos a alimentos nem tão saudáveis, mas porque ingerimos muito mais do que necessitamos.
No processo digestivo, de assimilação e utilização dos nutrientes produzimos energia, reconstruímos tecidos e órgãos, mas produzimos resíduos. A eliminação desses resíduos, quando ingerimos mais do que o necessário, não se dá completamente e os acumulamos em nosso organismo. Esse acúmulo gera radicais livres, inflamação e nosso corpo reage a eles como a qualquer agressão externa. O resultado do excesso de alimentos é uma agressão interna, causada pelo simples ato de comermos mais do que efetivamente necessitamos, mesmo que os alimentos sejam absolutamente saudáveis.
A redução do apetite, quando estamos doentes é um mecanismo de preservação da vida. E comer menos, na maior parte dos dias, é uma forma de deixar o organismo menos sobrecarregado, permitindo que os mecanismos de cura, sempre atuantes, funcionem livremente. Isso não significa que você deva se sentir restringido em fazer uma farra de vez em quando, ou sentir-se culpado quando isso acontecer – faça-o, seja livre, de olhos abertos!
E, se você experimentar comer cada vez menores quantidades, pesquisando o limite inferior, com atenção, percebendo a pressão do social e dos costumes sobre você e libertando-se deles, sua vida será com certeza mais longa e saudável, maior clareza mental e muito maior disposição para viver tudo o que a vida lhe oferece e sentir o êxtase e a benção da vida.
Para ter mais leveza e saúde desfrute da experiência de comer em menores quantidades.
Este texto de Rubem Alves pode contribuir para a sua reflexão sobre comer ou ser comido pelo sistema!
Rubem Alves
Lições de feitiçaria – meditações sobre a poesia.
Edições Loyola, São Paulo, Brasil, 2003
“A realidade familiar nos diz: “Nós comemos a comida, nós assimilamos a comida, a comida se torna o que somos.”. Mas de repente uma nova verdade se ouve, quando a etiqueta da normalidade é subvertida e o mundo vira de cabeça para baixo:
Somos comidos pela comida; a comida nos assimila; nós nos tornamos o que comemos...
A anfitriã me oferece vinho. O liquido se mostra manso, inocente, bem-comportado dentro da taça. Bebo um pouquinho, um pouquinho mais. Esvazio a taça. Delicioso, o vinho. Meu corpo o assimila e experimenta a alegria da leveza do ser. O mundo permanece o mesmo, com uma gota a mais de sabor.
Mas repentinamente, num momento sutil, uma inversão acontece. Não sou eu que bebo o vinho. É o vinho que me tem dentro de uma taça e me bebe. Não é o vinho que entra em mim. Sou eu que entro no vinho e me descubro dentro de um mundo estranho que não conheço. Meu corpo é possuído pelos “espíritos” que haviam ficado de fora até aquele momento. Não é significativo que a língua inglesa chame as bebidas alcoólicas pelo nome de spirits?
Uma inversão da lógica de comer.
O que é normal: comemos o alimentos.
A inversão: somos comidos pela comida.
Antropofagia ... : a Eucaristia
Ser bebido pelos espíritos,
ser comido pela comida:
uma experiência de terror, um pesadelo, loucura...
O ego percebe repentinamente que não consegue mais manter seus pássaros dentro da gaiola. Ele não pode mais dizer: “Eu tenho má idéia”, por que é a idéia que o possui. Já não é o senhor da situação. Não sabe que palavras se falarão por sua boca...”